Stress Financeiro: O Inimigo Invisível da Saúde Mental
O mês de Setembro chegou e é um mês dedicado a saúde mental com as campanhas do Setembro Amarelo que nos lembram que cuidar da mente é tão vital quanto cuidar do corpo. É um mês de prevenção do suicídio, de diálogo aberto e de escuta ativa. Mas há um inimigo silencioso que nem sempre associamos à saúde mental: o stress financeiro.
Em Angola, com alta taxa de inflação e com cerca de 1/3 da população a viver em situação de pobreza segundo o Banco Mundial, o peso económico do dia a dia vai muito além dos números. Ele traduz-se no que são chamados de “hardships económicos” aquelas dificuldades práticas que depois se refletem em ansiedade, insónia e até depressão.
O que são “hardships” económicos?
São as privações financeiras sentidas na pele, independentemente do rendimento. É a diferença entre “ter salário” e “conseguir viver com dignidade”. Estes hardships são cinco, e todos têm impacto direto na saúde mental:
1. Incapacidade de pagar contas básicas
Atrasar-se na renda, na fatura da luz da ENDE ou da água da EPAL é rotina para muitas famílias. A angústia de ver contas acumuladas sem ter como liquidá-las aumenta a ansiedade e o sentimento de impotência.
2. Dívidas em atraso ou sobre-endividamento
Seja através de empréstimos bancários, dos Kilapis, ou do crédito informal (“kinguilas”), muitas famílias entram em ciclos de dívida sem saída. O medo de cobranças, penhoras ou a perda de credibilidade financeira gera stress constante. Muitos responsáveis de RH reportam-nos sobre problemas que chegam ao seu departamento de empréstimos não pagos entre colegas ou quixiquilas não cumpridas.
3. Falta de poupança ou reservas de emergência
A vida de “mês a mês” é a realidade da maioria. Sem poupança, qualquer imprevisto, as pessoas vivem no limite, uma doença, uma avaria no transporte, transforma-se logo numa grande crise emocional e financeira.
4. Corte no consumo essencial
Quando o dinheiro não chega, a primeira reação é cortar no que é vital: carne, peixe, medicamentos, até o transporte diário. Estas escolhas forçadas trazem não só prejuízo físico, mas também desgaste psicológico.
5. Insegurança habitacional
Com as rendas a subir em Luanda , Lisboa e noutras cidades do mundo, muitas famílias vivem em casas sobrelotadas, bairros sem condições mínimas ou sob risco constante de despejo. Essa instabilidade corrói a sensação de segurança, essencial ao bem-estar mental. Inquilinos há que não fazem os cálculos de quanto podem pagar e querem manter um status que não conseguem sustentar.
Estas pressões não são iguais para todos. Homens muitas vezes carregam o peso social de serem “provedores”, e quando não conseguem cumprir esse papel, enfrentam frustração e até maior risco de depressão. Já as mulheres vivem a “dupla jornada”: gerir a casa, cuidar da família e enfrentar rendimentos instáveis e relatam mais sintomas de ansiedade ligados a preocupações financeiras.
Mesmo quando a situação financeira é minimamente estável, o stress financeiro também pode manifestar-se, há muita gente por exemplo, que vive com o peso de ter que ser o responsável por sustentar toda família, como dizemos em linguagem popular em Angola, tornar-se um “pai grande” ou “mãe grande” sem tempo para pausas, para descansar, e usufruir do que tanto trabalham.
Quais são os caminhos para aliviar o stress financeiro?
O Setembro Amarelo lembra que falar salva vidas, terapia salva vidas. O mesmo se aplica ao dinheiro: esconder o stress só aumenta o peso. Algumas medidas práticas podem ajudar:
- Conversar sobre as dificuldades com familiares ou amigos de confiança, reduzindo o isolamento.
- Procurar apoio em programas de proteção social se existirem na sua zona.
- Criar um pequeno plano de gestão, priorizando gastos essenciais e tentando poupar, ainda que valores simbólicos.
- Investir em literacia financeira, aprendendo a organizar as finanças para ganhar autonomia e confiança.
- Preparar um plano de pagamento de dívidas
- Saber que a vida como um todo tem altos e baixos e que é não é um problema dar um passo para trás
- Falar com um profissional especializado em saúde mental (Nas campanhas de Setembro Amarelo é comum haver atendimento gratuito por parte de psicólogos, psiquiatras e terapeutas comportamentais)
- Alinhar as expectativas familiares e sociais com a sua capacidade financeira actual, deixar de assumir responsabilidades que não são directamente suas.
Nas empresas, o stress financeiro não só diminui a produtividade como alimenta o fenómeno do presentismo, quando o trabalhador está fisicamente presente, mas com a mente ausente, mergulhada em preocupações com dívidas e contas em atraso. Isso traduz-se em erros, baixa concentração e menor qualidade nas tarefas. Esse stress e remoer de preocupações provoca irritabilidade, que pode gerar conflitos com colegas, também conduz a pedidos frequentes de empréstimos no local de trabalho, criando desconforto.
Para o colaborador é um ciclo de desgaste emocional; para a empresa, é perda de desempenho e aumento de tensões internas.
Altos níveis de stress financeiro também levam a tomada de decisões erráticas, pessoas que vivem no tudo ou nada, são capazes de apostar as poupanças da família, vender a casa com os familiares dentro, cometer fraudes no trabalho e muito mais.
O stress financeiro é um inimigo invisível, mas real. No espírito do Setembro Amarelo, precisamos reconhecer que cuidar da saúde mental também significa cuidar da saúde financeira. Falar, procurar apoio e reorganizar os recursos podem ser passos simples, mas poderosos, para devolver paz e esperança.