Na última semana de abril, o Governo angolano decidiu travar novas licenças de importação para produtos como farinha de trigo, milho, óleos refinados e materiais hospitalares. A medida defendida como impulso à produção nacional, expõe um dilema cada vez mais urgente: Como equilibrar o desejo de soberania produtiva com as limitações reais do nosso tecido industrial?
Formalizada pela Ordem de Serviço n.º 004/2025, a suspensão do licenciamento de importações é apresentada como um passo firme na política de substituição de importações. Mas por detrás do discurso oficial, há um conjunto de fragilidades estruturais que comprometem a eficácia da medida.
Produzir localmente continua, para muitos sectores, a ser mais caro e mais difícil do que importar. A lista de entraves é extensa: mecanização escassa, energia cara, cadeias logísticas deficitárias, impostos pesados e acesso restrito ao financiamento. Além disso, os produtos “Made in Angola” ainda lutam contra a percepção de menor qualidade, um problema de confiança, mas também de falta de padrões claros de certificação e fiscalização.
Suspender as importações sem resolver estas fragilidades é correr o risco de transformar a proteção em escassez, subida de preços, prateleiras vazias e o consumidor final a pagar a factura.
É preciso tornar a produção nacional eficiente, competitiva e desejada e o caminho certo passa por uma política industrial estruturada, com metas e compromissos mensuráveis em que é necessário:
- Estabelecer metas claras por produto: Saber o quanto consumimos, quanto conseguimos produzir e o que ainda depende do exterior. Sem esse mapeamento, não há uma substituição eficaz.
- Implementar quotas de importação: Estabelecer metas realistas para a substituição de importações, acompanhadas de planos operacionais. É necessário avaliar, tendo como base consumo anual em toneladas dos bens listados, qual a capacidade produtiva instalada e em operação (50%, 75%, 25%) e qual a quota de importação anual para estes bens. Vamos imaginar que no final de 2025 tenhamos uma capacidade em operação de 75% do Trigo consumido no país, neste caso a quota de importação a implementar para o ano seguinte seria a diferença 25%.
- Conjugar Incentivos fiscais a subsídios inteligentes: Para fomentar o crescimento deve ser preparada uma política estruturada de incentivos ao aumento da produção nacional para os produtos alimentares mais consumidos/importados no país com alívio fiscal temporário para agro-indústrias, mais subsídios para fertilizantes, sementes e equipamentos.
- O investimento em Infraestruturas que fazem a diferença: Desde as estradas primárias e secundárias, a centros logísticos e redes de frio podem mudar o jogo fora de Luanda. Os nossos problemas parecem tão básicos mas muitas vezes as soluções começam pelo que irá trazer menos impacto directo ao custo de produção. È quase como dizer que queremos começar uma casa pelo telhado e não pela sua fundação ou alicerces. Vamos pensar por exemplo nos kilometros de estradas esburacadas desde as províncias produtoras aos centros comerciais em Luanda e os custos de manutenção nos transportes a que isso implica, tornando a operação mais custosa. Como este temos o exemplo da energia e tantos outros que tornam a produção local um verdadeiro desafio.
- Reforço da qualidade e certificação: O consumidor quer garantia de qualidade, não apenas levantar bandeira do “made in Angola” é necessário criar programas de certificação e controlo de qualidade que elevem o padrão dos produtos nacionais e aumentem a percepção de qualidade. A certificação precisa sair do papel e chegar ao mercado.
O consumidor angolano é prático vai preferir o produto nacional, se o preço compensar e a qualidade for equivalente, a procura aumentará naturalmente. A preferência pelo produto importado não é uma questão cultural, mas económica. O patriotismo e protecionismo não resiste a produtos caros e de qualidade inferior.
Para finalizar, é crucial garantir que as medidas de proteção à produção nacional não resultem na formação de monopólios ou oligopólios que possam prejudicar o consumidor a médio e longo prazo. Um ambiente concorrencial saudável estimula a inovação, a eficiência e a oferta de produtos de melhor qualidade e preço. Portanto, é essencial que as políticas públicas promovam a entrada de novos operadores e evitem a concentração excessiva do mercado.
A suspensão de importações é um alerta e uma oportunidade. Mas, isolada, não resolve. Se o Estado não investir seriamente na base produtiva, acabará por proteger ineficiências em vez de gerar valor. E o cidadão, que é o elo mais fraco, sempre pagará uma conta mais cara e com menos opções de escolha.
Angola precisa de alinhar a protecção com reformas internas que ataquem os custos de produção, melhorem a qualidade e garantam previsibilidade. Sem isso, a substituição de importações será apenas uma utopia administrativa, com custos elevados para os próprios cidadãos a quem se pretende proteger.